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SALTO NO VAZIO

  • Foto do escritor: Marta Gaino
    Marta Gaino
  • 9 de jun. de 2020
  • 4 min de leitura

O que é que faria você saltar no vazio?

Estava eu agora a pouco trabalhando num mapa numerológico, quando me lembrei de uma experiência que tive há 20 anos.


Fui convocada pelo RH para participar de um “treinamento vivencial” com outros 30 colegas de trabalho. O treinamento foi realizado num sítio, em regime de internato no final de semana, de sexta a domingo. Tudo muito bom, tudo muito bem, mas realmente... foi o tipo de atividade que você se pergunta depois, o que é que eu estou fazendo aqui?


O treinamento consistia de reuniões de explanação técnicas seguidas de atividades de “fixação vivencial” e avaliação “espontânea” do grupo. Depois de muito vira e mexe, uma coisa ficou em minha cabeça, antes de sacudir as pessoas você deve ter seus objetivos bem claros para poder saber se vai prestar ou não.


Entre diversas atividades que exigiam exercícios físicos cansativos, e olha que eu tinha 20 anos a menos do que tenho hoje, uma vivência me marcou profundamente, porque levei anos para esquecê-la. Fomos divididos em várias equipes, e objetivo era subir numa arvores de uns 10m de altura, pular e bater a mão num sino que estava pendurado num galho a frente. Veja bem, numa época em que ninguém sabia o que era rapel ou bodyjump, num treinamento de trabalho, você tem de se submeter a isso.


Eu lá de baixo olhando o povo subir e pular comecei a pensar para que isso? Essa meta é abstrata demais para o meu gosto! Mas, a gente acaba sendo levada pela multidão e pelas circunstancias, e só sei que de repente era minha vez de subir e eu empaquei... Primeiro, colocar todas as cordas e mosquetão de segurança para subir numa arvore de 10m por uma escada de cordas, depois, lá em cima encontrar o galho que tinha o sino, daí mirar e pular para bater a mão naquela coisinha pequena no meio da folhas, então descer içado pelas cordas até chegar ao chão e receber o “abraço” de sucesso dos colegas. Nada disso fazia sentido para mim, empaquei e fiquei empacada no chão.


Então começou a operação “salvem o exercício” e todos começaram a me incentivar a subir:

  • Vai lá Martinha, pode subir, não tenha medo...

  • Dá-lhe Martinha, é só bater a mão no sino...

  • Vai lá, só falta você...

  • Você não vai fazer isso com sua equipe, vai lá sobe rapidinho...

Quanto mais falavam, mais eu queria sumir... é claro que eu estava com medo, mas o mais interessante é que eu não via lógica em fazer aquilo, isso não era desafio para mim, era simplesmente uma idiotice. No fim é claro, não aguentei a pressão e acabei subindo. Confesso que subir foi mais difícil do que pular e bater no sino, pior é que quando cheguei no topo, eu não via o sino pendurado a frente; ele estava a uma distância de uns 2 metros, então o pulo tinha de ser para frente, e eu só tinha uma oportunidade de acertar a mão. Xinguei toda a ancestralidade dos instrutores e dos colegas que continuavam gritando lá embaixo... Vai, agora só falta pular... até que ouvi a voz de um colega mais próximo, olhei para ele, mirei na sua cabeça e pulei, esqueci de bater no sino, pqp.


Lá embaixo, todo mundo me abraçou e o instrutor veio me perguntar, o que foi que aconteceu, o medo paralisou você, e eu disse não, o que me paralisou foi eu me sentir ridícula, arriscando a minha vida para bater num sino idiota, (mais ou menos isso com quase essas palavras).


Bom terminada a tortura, voltamos para a sede do sitio, cada um para seu quarto tomar banho, jantar e fazer a avaliação. É claro que todos estavam esperando a minha vez de falar, e eu querendo desaparecer da face da terra para não mandar todo mundo à m*rd*. Como tinha muita gente querendo falar sobre suas experiências maravilhosas de superação e medo de altura, eu fiquei quieta e pronto. No outro dia era domingo, foi mais confraternização e saímos depois do almoço, graças a Deus.


Na segunda feira, vários colegas vieram conversar comigo dizendo que também não gostaram da atividade, mas que se sentiram obrigados a fazer, porque todo mundo estava fazendo, blá, blá, blá... tempos depois, fiquei sabendo que a equipe de instrutores fez um relatório individual sobre a atuação e cada participante e entregou a diretoria de RH, pro curei saber sobre o meu e não me deram resposta, e eu fiquei com uma pulga atrás da orelha. Muitos e muitos anos depois, eu acabei trabalhando na diretoria de RH e perguntei sobre esse treinamento, o povo simplesmente desconversou e não consegui descobrir nada, então me caiu uma ficha de que alguma coisa não deve ter ido muito bem nas avaliações ou simplesmente, perceberam que passaram da conta na “dinâmica vivencial” e enterraram o assunto.


Hoje, depois que muita água já passou por debaixo dessa ponte, eu ainda fico pensando em como as organizações estipulam suas metas e objetivos sem planejamento, sem avaliar as competências de suas equipes, e sem promover capacitação e desenvolvimento real para os pobres coitados de seus funcionários que vão ter de pular de árvores no vazio e bater a mão em sinos inócuos, para alcançar resultados ilusórios.

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